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Três antes dos Trinta

22
Jan19

How long? Forever

Ana Sousa Amorim

Às vezes (não muitas que não sou muito delicodoce, nem aqui nem no dia-a-dia) olho para os meus filhos e penso como são irremediavelmente a melhor coisa da minha vida, a coisa melhor que já fiz. Nada, absolutamente nada que fizer daqui para a frente será tão bom como os meus três. São o meu melhor trabalho e não me terminam, mas quando a melancolia ataca é impossível não pensar que devia poder encapsular este tempo em que a vida não nos incomoda, em que as preocupações se eles vão ser ou não boas pessoas não nos assolam, em que o medo de eles serem bullied ou bullies não entra e em que eles são só perfeitos e eu completo-me só assim sem me lembrar da vida que sou para lá deles.  Esta capacidade de apreciar o que tenho é o melhor que eles me deram: eu, eterna insatisfeita, corredora de sonhos e desapaziguadora de planos perenes, às vezes só quero dizer "não mexe, está perfeito, vamos ficar assim para sempre".

28
Out18

Contra caixas

Ana Sousa Amorim

Eu sou contra as caixas. Não as caixas mesmo, aliás, nessas sou viciada, tenho caixas e caixinhas para todos os tamanhos, mas contra as metafóricas, as das categorias que pomos em toda a gente, em especial nas mães. E vou andando descontraída sem me meter uma etiqueta, mas toda a gente me atribuí uma, como se eu não as tivesse todas dentro de mim. Se digo que sou mãe, acham que entendo a maternidade como paragem obrigatória da felicidade. Se digo que os meus filhos ainda não estão no jardim de infância, acham que sou contra a creche. Se digo que eles estão em casa comigo, acham que deixei de trabalhar e sou toda jogos didáticos e pedagogias com nomes difíceis. Se digo que o meu filho já anda na creche, é porque afinal sou como as outras que é capaz de o deixar com estranhos. Se pinto as unhas, é porque acho as outras mães que não se arranjam desleixadas. Se mostro que estou de pijama, é porque não gosto de moda. Se digo que dei de mamar, sou contra as que dão biberão. E se digo que dou biberão, sou contra a amamentação. Se digo que eles dormem na minha cama é porque sou contra dormirem longe dos pais. Se digo que eles foram dormir para o quarto deles aos quatro meses, sou contra o co-sleeping. Se digo asneiras, não sou uma mãe fofa. Se os encho de mimos e digo que eles são a coisa mais linda da minha vida, sou delicodoce. Se não dou açúcar aos meus filhos, sou extremista. Se não dou produtos biológicos e papas de aveia, sou das que enveneno os miúdos. Se ponho de castigo, não sou educadora. Se grito, não sou positiva. Se tenho calma, não sou real. Se choro é porque estou deprimida. Se rio é porque devo dormir bem. Se os visto à beto, sou demasiado chique. Se andam sempre de pijama, sou parola. Se tenho empregada, sou batoteira. Se faço tudo sozinha, sou corajosa e doida. Se viajo sem filhos, sou insensível. Se viajo com eles, devo ser mártir. Se gasto dinheiro, é porque sou rica. Se sou poupada, sou forreta.

Badarmerda para as etiquetas. Eu sou tudo e não sou nada. Que tipo de mãe és? Sou todas, sou cada uma delas, em cada dia diferente ou em todos a toda hora. Adoro caixas, mas não estou dentro de nenhuma.

 

22
Out18

Os pais dos outros

Ana Sousa Amorim

Antes de ser mãe via o mundo a preto e branco. Birras no shopping? Má educação. Comer a ver vídeos no tablet? Inadmissível. Pais a ceder? Maus pais.

Depois fui mãe e apercebi-me que isto é lixado. A vida não é ideal. Idealmente eu tinha todo o tempo do mundo para estar com os meus filhos. E tinha também disponibilidade. Tempo e disponibilidade não são a mesma coisa. Às vezes tenho tempo, mas não tenho disponibilidade. Estou cansada do trabalho, das outras obrigações e estou carente de tempo para mim ou de descansar, de me distrair, de passear, de ler ou de ver séries. Não é por ter sido mãe que todas essas minhas necessidades deixaram de existir. Simplesmente deixaram de ser prioridade. É muito bonito dizer que temos de continuar a tratar de nós, arranjarmo-nos, sair, ir ao cinema, mas também é preciso que haja tempo, dinheiro e quem fique com as crianças e às vezes não há nada disso. Por isso há que ter prioridades e eles são a prioridade. Portanto, como dizia, quando tenho tempo, às vezes não tenho disponibilidade. E isso significa que faço tudo a correr. E significa que prefiro que vejam televisão para poder cozinhar mais rapidamente. E significa que se fizerem uma birra por um brinquedo eu dou para se calarem. E significa que o banho é rápido. E significa que o jantar tem de entrar. Não é sempre, mas às vezes. Muitas vezes, mais do que as que gostava, ou melhor, mais do que as que imaginava que ia gostar.

Os miúdos têm uma brutal inteligência emocional. Conhecem muito bem os seus cuidadores e dependem da atenção deles. Sabem como a conseguir, a bem ou a mal. E por isso, quando estou cansada, farta, ocupada, com trabalho por fazer e a coisa entra em modo automático, eles percebem e utilizam isso. Como? Com birras. E sim, eu, muitas vezes, cedo. Porquê? Porque não sou um robot, preciso de descanso, preciso que as coisas aconteçam e prezo silêncio. Claro que contrario os meus filhos — é impossível conviver com eles sem os contrariar — mas não acho que a base da educação seja essa.

Muitos dizem que os miúdos estão mal-educados, não têm pais que lhes dêem limites, não conhecem o não, não sabem como lidar com a frustração, etc. E eu concordo. Mas estou cansada desta sobranceria com que determinados pais falam de situações que vêem na rua e extrapolam para a regra. E estou cansada da falta de empatia entre pais. As pessoas que não têm filhos têm a distância típica da falta de conhecimento, que eu percebo porque também já fui assim. Mas a crítica constante dos pares deixa-me irritada.

Ao contrário dos maridos das outras, que são sempre o pináculo da criação, os pais dos outros são sempre uma merda. São permissivos, deixam fazer tudo, não têm tempo para os filhos, são autoritários, são desligados, são desleixados, são frios e são sempre, sempre a causa do mau comportamento  dos filhos.

A verdade é que estou constantemente a levar com quilos de informação que me quer obrigar a concluir pelo meu falhanço: todos os dias alguém partilha uma notícia que diz que um pediatra disse que os miúdos de hoje não serão os génios de amanhã porque são expostos a muita televisão e tablets, ou que não são capazes de lidar com a frustração porque têm muitos brinquedos, ou que não sabem brincar com outras crianças porque brincam com os pais ou que não gostam de exercício porque jogam muito computador, e por aí em diante. Esta obsessão com o questionar o que estamos a fazer com os miúdos esgota-me. Eu ando aqui a safar, não tenho grande tempo para me encostar a pensar nas consequências de determinadas coisas. Não sou maluca, tenho consciência que tipo de comportamentos favorecem o desenvolvimento da personalidade deles, mas sou humana e recorro a tudo o que posso para sobreviver. E às vezes ver televisão pode não ser o mais indicado, mas é o mais correcto porque é o que traz paz ao nosso lar e propicia a um ambiente calmo e saudável. E ceder a birras, que é globalmente considerado péssimo e olhado com desprezo, às vezes é importante para mim para poder fazer coisas incríveis como chichi.

Há dias fui passear com o Gonçalo e tudo correu bem até ele se passar porque eu não o deixei ir ao parque do centro comercial ao lado do qual passámos porque precisava de ir às compras. Ele fez uma birra indiscritível, não se calou por nada, eu fiquei nervosa, comecei logo a suar do buço, pus-lhe a chucha e ele jogou-a para o chão e tive de me afastar com ele a chorar. Ouvi um sibilante «que miúdo mal-educado» e também vi olhares de reprovação quando ele atirou a chucha ao chão de pessoas que estavam com miúdos no dito parque. A sorte vos impeça de ter filhos que façam isso, eu cá nunca me imaginei com um pequeno Hulk a arremessar tudo quanto lhe dou quando está com os azeites, e não, não é o que ele vê em casa que eu quando estou lixada digo asneiras, não atiro merdas pelo ar, por isso, por favor, sejam mais empáticos. Dias depois fomos lanchar e tudo correu bem até a comida chegar. Aí ele lembrou-se de que queria correr e chorou quando o impedi. Acabei com o choro dando-lhe o meu telemóvel para ele ver vídeos e fui novamente fulminada com o olhar por pessoas nas outras mesas. Não disseram nada, mas eu percebi que ter cedido à birra e ter-lhe dado o telemóvel foi o meu crime do dia. Eu só queria lanchar, tinha fome, mas pronto, basicamente fui pendurada numa cruz por estranhos por ter cedido a uma birra. Se o tivesse deixado chorar teria recebido tratamento igual.

Eu tenho três filhos e nos últimos meses na impossibilidade de me dedicar a buscas de perfeição e ter de ser apenas o Macgyver da maternidade, descobri-me relaxada, certa do que faço e não são os olhares de desconhecidos que me deitam abaixo, mas na impossibilidade de mandar as pessoas à merda na hora — a minha auto-terapia de agressividade impede-me — deixo aqui o meu manifesto. Os pais dos outros não são uma merda. Andamos todos ao mesmo e cuidado… ainda podes pagar pela língua. I know I did.

15
Out18

Perda gestacional

Ana Sousa Amorim

Antes de engravidar do meu filho mais velho, perdi um bebé. Hoje é o dia internacional da perda gestacional e estas coisas dos dias internacionais têm como objectivo sensibilizar para temáticas importantes e quebrar tabus, pelo que aproveito a deixa. Este é daqueles assuntos que todos reconhecem ser dolorosos e então fica remetido à surdina que não ajuda ninguém a curar.

Dar voz à minha história é explicar que acho que superei tudo bem. Não vos vou maçar com descrições dramáticas das vezes que chorei aquele bebé e o que senti quando depois tive o meu bebé arco-íris (o que chamam a bebés que vêm após perdas) porque não é sobre o depois que vos quero falar, é sobre o durante e porque arco-íris não é o meu estilo.

Passei por isso e passou. Mas doeu. Muito. Estava grávida de 9 semanas e já tinha partilhado a notícia com a família e amigos. Contei essencialmente porque me apeteceu e porque não percebia o porquê de esperar para partilhar. Ainda não percebo, todos os que souberam foram-me essenciais.

Tive uma hemorragia, fui para a maternidade, fizeram uma ecografia, não detectaram batimento cardíaco, mas explicaram-me que o ecógrafo das urgências não era o melhor para gestações ainda tão curtas e mandaram-me para casa esperar, pois podia estar a abortar, mas também não. Que voltasse daí a cinco dias ou se me sentisse mal, disseram. Vim absorta, não quis acreditar e tive esperança de que tudo estivesse bem. Voltei à maternidade passados três dias, farta de esperar. Encaminharam-me para o piso das ecografias e depois de entrar numa sala escura, de ter cumprimentado o médico e não ter obtido resposta, deitei-me numa marquesa e ouvi a sentença após segundos de análise: «esta gravidez foi interrompida». O quê? Interrompida? Por quem? O médico disse só que o feto não tinha batimento cardíaco e mandou-me sair. Até hoje não percebo a malvadez desta falta de tacto, não aceito que lidem assim com uma pessoa num dos seus piores momentos. [Fiz queixa deste médico, infelizmente não chegou a lado nenhum porque o médico faleceu meses depois.]

Fui então encaminhada de volta para as urgências onde me falaram melhor, explicaram o que se passaria a seguir, mas onde também ninguém quis perder muito tempo por não saber o que dizer. Eu fiquei demasiado presa à quantidade infinita de vezes que diziam que eu tinha abortado — as palavras são só palavras e às vezes não querem dizer nada, mas quando se está numa sala fria a saber que a vida que criámos dentro de nós estava finda, as palavras interessam e gostava que alguém se tivesse abstido de repetir aquilo vezes sem fim porque eu não fiz nada, simplesmente aconteceu. Num segundo tinha um projecto, no seguinte não. Num segundo era mãe, noutro não. Num segundo planeava onde pôr um berço, no seguinte contorcia-me de dores com as contracções ao lado do sítio escolhido.

Acho que falta formação aos técnicos para saberem lidar com estas situações. Posso ter tido azar e ter lidado com as pessoas erradas, mas pareceu-me mais ser o assunto errado. É preciso tratar o assunto com a importância que tem e não o desvalorizar sobre pena de aumentar o sofrimento de quem por lá passa em vez de o minimizar.

Odiei o tabu, o não se falar sobre isso, odiei passarem-me a mão no braço e ouvir que é muito comum, ainda és nova, vais ver que engravidas logo, depois nem te lembras. Eu prometia não esquecer e não queria pensar em engravidar de novo, nem sequer deixar de pensar no que tinha acontecido, queria falar sobre isso, explicar pelo que passei e ultrapassar. Evitar não deixa curar.

Todos me diziam que era comum, mas não é assim tão comum falar sobre isso. Na altura senti-me sozinha.

Passa, mas não se esquece.

A quem está a viver isso: sim, acontece com frequência. Não estás sozinha. É tabu, mas não devia ser.

Ah e não, não foi nada que fizeste.

14
Set18

Aproveitar é engodo

Ana Sousa Amorim

O que me irrita nesta cena do aproveita que depois eles crescem, a filosofia moderna da parentalidade e dos conselhos das recém-mães é que explora aquela fragilidade da melancolia de recordar um filho bebé.

Ter um filho é maravilhoso. Mas é uma altura de merda. Não conheço mais outra coisa na vida que seja tão de extremos, por isso é que é tão difícil. Porque é óptimo, nasce-nos o filho, sangue do nosso sangue, a nossa cria, um bebé, o ser mais fofo e lindo do mundo e nós, as mães, quais lobas, só queremos lambê-lo, mimá-lo, guardá-lo. Mas nasce-nos também a mãe, a maluca, a cansada, a quero estar aqui, mas quero fugir, a que tem saudades de comer cereais ao jantar a beber uma mini e ver uma série. Então nasce a cisão, o bom e o mau, duas metades da mesma vida, duas metades do mesmo espelho, dentro de nós, na nossa sala, na nossa vida. E por isso, às vezes estamos lá a olhar para aquele ser lindo, maravilhoso, nosso, porra, ainda é parte de nós, ainda há dias lhe cortavam o cordão umbilical que era da minha carne, mas não estamos, porque estamos a chorar o banho que não tomámos, a série que não vimos, a noite de copos a que não fomos, a reunião de trabalho a que faltámos, o cinema a que não fomos, o restaurante novo que não conhecemos, a barriga que nunca mais teremos, o estar sozinha sem se sentir só. Algures depois desta merda toda passar, um dia dias depois, ou meses ou até anos, vemos uma foto dessa altura que foi tirada no segundo bom, aquela foto dele a dormir, lindo, pacífico, tirada momentos antes de se chorar de novo encostada à parede da cozinha porque deixámos cair o telemóvel e ele acordou com o barulho, momentos antes que já não existem, que a memória apagou porque esquecemos tudo, nesse dia olhamos para a foto de paz daquele ser que amamos, que está maior, que já não é bebé, e queremos voltar e temos saudades. E as saudades vestem o casaco da culpa e dão à luz a ideia de que não aproveitámos, afinal, temos tantas saudades. Então mandamos aproveitar quem pode, esquecidas que não se aproveita só se vive e que as saudades são só saudades e temo-las de tudo. Eu também já fui assim. Perdi-me nas fotos do meu filho bebé e pensei que não o tinha cheirado, não o tinha aproveitado, que passei o tempo todo preocupada com ele, com o sono, com a vida. E prometi aproveitar, deitei-me grávida todas as noites e prometi aproveitar os meus filhos que nasceriam daí a pouco, comprometi-me a ser melhor, a aproveitar tudo até o que se esquece. E  depois eles nasceram e nasci eu de novo, a mãe, a maluca, a cansada. Que só os quer a dormir, que tem saudades de estar sozinha, sem estar só. E não aproveitei.

Um dia, esta, a mãe, a cansada, leu alguém mandá-la aproveitar, que eles crescem, que eles saem do colo, que eles depois não nos querem. E cansou-se desta vida de António Variações, só estou bem aonde não estou, só quero aquilo que não tenho, só sei que é bom depois de passar, só sei que devo aproveitar quando o tempo já partiu. Não. Eu aproveitei. Eu mimei, eu lambi as crias, eu adormeci-as ao colo, eu admirei-as. Mas eu também chorei, quis fugir, quis gritar. Tenho saudades deles mais pequenos, tenho saudades de eles se aninharem, tenho saudades de serem só meus, de os descobrir nos olhos acabados de abrir e de lhes dizer a mamã está aqui, a mamã está aqui, não vou a lado nenhum. Mas aproveitei, e não vou deixar que saudade nenhuma me tolde a vista. Gozei e não vou deixar que ninguém se aproveite da fraqueza da saudade para me dizer que não aproveito tudo. Eles crescem, felizmente. Aproveita. Tem um filho, ama-o, lembra-te que és capaz de tudo e o tempo faz o resto.

28
Ago18

Neste dia

Ana Sousa Amorim

Na primeira foto, em 2016, grávida de 40 semanas certas, confiante que o fim da seca da gravidez estava para breve e que iria conhecer o meu amor rápido. Não esperei muito mais, foi no dia seguinte. A ideia era tirar uma foto no ano seguinte, no mesmo dia, e mostrar a minha espectacular recuperação pós-parto, aquela que na altura estava empenhada em ter. A segunda foto, é a tal, no mesmo dia, em 2017. Grávida, de gémeos, de 21 semanas, na recuperação pós-parto menos aconselhável de sempre. A promessa ficou então para o ano seguinte, ou seja, para hoje. E como tantas outras promessas, fica por cumprir. Não há foto porque também já não há ilusões. Não há foto porque não recuperei como queria, não há foto porque não estou como antes queria estar hoje. Isto da aceitação é um processo e a maior parte do tempo não estou preocupada, sei que tenho tempo e gosto-me assim. É verdade que já fui mais magra, já tive a barriga lisa, mas também é verdade que não me gostava, queria mais disto e menos daquilo, vivia numa insegurança típica da idade e da falta de juízo. E a confiança também é bonita. Mas também tenho dias em quero lá saber se as maleitas de que me queixo foram consequência de fazer crescer três bebés, quero as barrigas lisas que vejo a banhos. Quando prometi fotos impossíveis achava que recuperar no pós-parto era sobre o peso, mas aprendi que é sobre não maldizer este corpo que nunca me deixou, nunca fraquejou. Pode estar dois números acima do habitual, três acima do que quero, mas nunca me deixa, nem quando a cabeça desliga e alma precisa de descanso. Um corpo que acorda automaticamente e embala, que sem lhe pedirem licença aguentou duas gravidezes no espaço de 9 meses, o corpo que fez nascer e alimentou três bebés e esteve em esforço, em risco. Recuperar nos pós-parto é agradecer. Não dá para fotos, mas dá para recordar. Há dois e um ano estava assim, grávida. Hoje estou feliz.

13
Ago18

Quando a vida tem outros planos para os planos que tinha para a vida

Ana Sousa Amorim

Comecei a escrever o blogue porque quando engravidei dos gémeos tive medo e fiquei em pânico e não encontrei nada que me falasse a verdade. Leio muitos blogues, não lia muita coisa sobre maternidade, mas passei a ler desde que tive o Gonçalo e quando procurei como orientar uma casa com três bebés maioritariamente só via coisas lindas e textos enormes como a ligação dos irmãos é óptima. Não lia o que está por detrás das fotos lindas, a vontade de fugir e a verdade sobre gravidezes não planeadas. Depois criei o blogue e na dúvida de assumir ou não quem era, decidi mostrá-lo a toda a gente e agora tenho pudor de escrever determinadas coisas porque a grande maioria dos que me lê, conhece-me. Bastou-me contar a minha história e dizer que a gravidez dos gémeos não foi sequer planeada e que chorei quando os soube a crescer dentro de mim sem pedir licença para aparecer logo quem me dissesse que não devia dizer isso, que parecia mal. Pode parecer mal, mas ter um filho não planeado não é a mesma coisa do que ter um filho planeado. Não, não estou a dizer que se ama diferente, estou só a dizer que não é a mesma coisa. Ter gémeos não planeados com um filho com pouco mais de um ano, não é a mesma coisa que ter um filho planeado. Eu gostava de ter lido isto, por isso é que o escrevo. Hoje sei que chorei porque os amei assim que soube. Hoje sei que foi medo de não lhes poder dar tudo o que um filho meu merece. Filho meu não chora para se habituar e não fica na cama a gritar porque tem que aprender a dormir sozinho. Filho meu tem colo, tem mimo, tem leite, tem sestas ao colo e namoro de final de dia. Uma para dois, para três.

Foi de dias como hoje de que tive medo. Dias em que só parecem querer chorar, que tenho que ir tomar banho e fechar a porta para não os ouvir chorar se acordarem porque se os ouvir sairei mais uma vez a correr, molhada, a escorregar pelo chão, a pingar o soalho que depois terei que limpar, para pôr a chucha, ou acabar a trocar a fralda enrolada na toalha, não, fecho a porta, não demoro mais de 5 minutos, se chorarem choram 5 minutos, mas tem que ser, eu preciso de um banho, eu vou ficar louca. Foi destes dias de que tive medo, de deixar o cansaço vencer, de deixar chorar, não para se habituar, não para aprender, mas para esperar. E foi das noites como de anteontem, em que todos choravam, todos queriam colo e mimo. E foi das escolhas de todas as noites, do shiii por favor não acordes o teu irmão, em que a abanamos a cama, em que corremos para a sala, o mais longe para os irmãos não acordarem, não acordes os teus irmãos por favor, por favor. Ou de quando dou por mim a pedir a bebés um segundo, por favor eu só quero um segundo para acabar isto, ou quando abano a espreguiçadeira com mais força e tenho que me afastar e respirar e lembrar-me de que tu és bebé, tu não sabes, tu não tens culpa. As mães têm que ter colo sempre para os seus bebés, tem que aproveitar que eles crescem e depois não a querem, mas foi desta vontade de os ver grandes sem me quererem de que tive medo. Foi desta vontade absurda de dormir de que tive medo. Foi desta vontade de mandar tudo e todos à merda e fugir de que tive medo.

Mas aquilo que não li e hoje sei é que basta respirar fundo, um segundo de silêncio de todos,  reenquadrar e tudo fica mais fácil. Não acredito em Deus, mas acredito no carma. Não acredito em Deus, mas quando o Duarte nasceu sem respirar, naqueles segundos que pareceram horas de tortura prometi que se ficasse tudo bem e se os tivesse todos bem, seria tão sã quanto uma mulher, quanto uma mãe, consegue ser, e nunca me queixaria. Sabia bem que me queixaria, mas nunca a sério, nunca a sério. Prometi e prometo todos os dias em que grito que só quero um segundo e que fujo para o banho.

A todas as que procuram saber como é ter filhos não planeados: não é a mesma coisa que ter um filho planeado, não é. Mas não é mau. Tive medo de olhar para eles e culpá-los de me tirarem tempo do Gonçalo, tive medo de desejar que eles não existissem. Mas nunca os culpo, e já não há um mundo em que eles não existam. Às vezes penso "porque não esperaram mais um ano?" e outras em que lhes pergunto se não podiam ter vindo um de cada vez. E quando acordo de hora a hora à noite ou quanto tenho que adormecer com brown noises para poder dormir senão tenho o coro dos pequenos cantores, mas em mau, também não consigo ser positiva, mas a verdade é que tomo sempre banho a correr. Mesmo quando fecho a porta, tomo banho a correr. Mesmo quando digo, chega, nunca chega, nunca acho o off deste botão de lhes querer bem, de os querer com o melhor.

Esta gravidez não planeada foi a vida a borrifar-se na minha agenda e a fazer planos por mim. E, repito, não é mau. Nos últimos meses descobri uma mulher que não imaginava ter dentro de mim, descobri uma força que não conhecia e acho que cheguei a uma espectacular fase da vida em que verdadeiramente estou-me cagando para o que outros pensam e para o que deve ser. Quando planeei tudo planeei que ele só teria o melhor. O melhor é não ver televisão antes dos dois, é só fazer jogos didáticos, é brincar com a terra, ter contacto com a natureza. Mas depois chove e o shopping é fixe que não chove lá dentro e a Masha o Urso cala-o. Então fiz o que não deve ser, mas culpada, sempre com a carregar a mala da culpa, sempre em pensar que não era o melhor. E depois vieram os gémeos, aquele descuido que virou acontecimento, aquele não plano que virou evento. E eu descobri-me. Na loucura, no caos, apareceu a Ana, a mãe. Que sabe que não devem ver ecrãs antes dos 2 anos, mas que também acha que é melhor lanchar antes de tratar deles e por isso sim, eles vão ver patrulha pata para ficarem calados, dez minutos enquanto lancho. Porque se lanchar, serei melhor. Se lanchar brinco com eles na muda da fralda, se tiver fome vou fazer tudo a correr e deitar tudo a perder. No fundo é igual, mas sem culpa. No fundo, faço igual, mas com desculpa. No fundo, desespero tanto quanto desesperei antes, mas agora já sei.

Se tens uma gravidez não planeada lê isto e sabe que talvez alguns dos teus piores medos se concretizem. Outros nunca. Respira fundo, todos os dias e depois arregaça as mangas. Nunca me esqueço do que abdiquei e abdico todos os dias por eles, mas todos os dias tomo de novo essa decisão de consciência. Talvez fique mais fácil. Agora não é fácil, mas não é mau. Agora não é fácil, mas nunca é impossível. E todos os dias é bom. Todos os dias é muito bom. Não foram um plano, mas são uma vida.

 

[Este texto tem quase três meses, deixei-o a marinar para só o publicar quando tudo ficasse melhor. Hoje está tudo melhor. Hoje não foi um dia mau. Ou eu é que já não estou mal.]

10
Ago18

Os amigos desaparecem depois de teres filhos

Ana Sousa Amorim

Ouvi isto muitas vezes antes de ser mãe. Há uns tempos li este artigo sobre amizades que terminam depois de se ter filhos.

 

Um filho representa uma grande mudança na nossa vida, não tenho dúvidas sobre isto. As nossas prioridades mudam, os nossos horários são diferentes e claro, a nossa disponibilidade não é a de outrora.

 

Para mim qualquer relação dá trabalho, e a amizade não é excepção. Não é um trabalho de esforço, é um trabalho natural, mas envolve sempre cedências. E como tal, depois de ser mãe acho que há trabalho de ambas as partes para manter a amizade, mas não é impossível.

 

Os meus amigos não desapareceram. As minhas amigas não foram a lado nenhum (nunca vão). Quando fui mãe, elas estiveram lá, ainda que não ao meu lado, à distância de um telefone, com uma emoção genuína, que nunca esquecerei.

 

Desde então tive falta em muitos eventos, mas não sinto que tenha mudado nada. Dá trabalho? Claro que sim. A eles agradeço adaptarem-se aos meus horários, fazerem o esforço de me vir visitar sempre que podem, de me perdoarem não estar em cima de todos os acontecimentos, como antes. Eu tento não perder conversas de WhatsApp e organizar-me para estar com eles. Não é fácil, mas tento. O ano passado fui a uma despedida de solteira grávida dos gémeos. Custou-me, só me apetecia estar na cama a dormir, mas queria muito estar com elas e fiz o esforço. E adorei.

 

O artigo que li falava do facto de os amigos não perceberem que os recém-pais quando têm tempo livre preferem passá-lo a dois ou a dormir em vez de ir sair com os amigos. Percebo bem isto. A verdade é que depois de ter filhos a vontade de sair à noite desapareceu, todo o meu tempo livre por mim era passado no cinema ou a dormir. Mas sempre que faço o esforço de sair, não me arrependo. E as minhas amigas percebem-me, não escondem que gostavam que eu pudesse participar em mais coisas, mas nunca me cobraram a mudança das minhas prioridades, perceberam e tentam sempre amenizar o impacto que isso tem nas nossas vidas. As amizades vivem dos momentos que passamos juntos, da vida que partilhamos, mas sobrevive fases mais distantes se houver esforço de compensar isso.

 

Claro que há coisas que só os amigos com filhos percebem, e com eles as nossas combinações passam a ser mais fáceis, é um facto. Eu e o meu marido temos a sorte de ter amigos bem próximos que estão na mesma fase da vida que nós. E na verdade até fizemos novos amigos depois de sermos pais, precisamente porque passámos a ter outras coisas em comum com outras pessoas.

 

No entanto, do círculo das minhas melhores amigas eu sou a única que já tenho filhos. É claro que às vezes gostava que elas percebessem melhor os meus dramas, mas nem por isso senti que não estão capazes de conselhos ou de perceber o que passo. Quando desesperei no pós-parto do Gonçalo foi com elas que falei tantas vezes porque embora não tivessem nenhum conselho milagroso típico de mãe, também não tinham nenhum julgamento: nunca me disseram que era por eu estar a dar de mamar assim ou pôr a dormir assado. Ouviram-me, disseram que não imaginam o que é, deram força e namoraram o meu bebé como tias babadas que são. Se eu as tivesse excluído de alguns queixumes, se tivesse pensado que elas nunca me entenderiam só por não serem mães, nunca tinha percebido que isso não é verdade.

 

Há uns dias uma das minhas amigas mais antigas veio visitar-nos, ainda não conhecia os gémeos. Já tivemos mais de um ano sem nos ver, somos amigas há mais de 15 anos. Não caímos na farsa de ficar amigas com conversas de WhatsApp intermináveis com promessas de cafés que nunca acontecem e perguntas esporádicas de «está tudo bem?», não, falamos de tempos em tempos por WhatsApp como se nos tivéssemos visto naquele dia «viste aquele trailer?», «sabes quem é que se vai casar?» com a presunção de proximidade física típica de outras eras da nossa relação. Ela veio e passou cá a tarde, falámos enquanto os miúdos dormiam, enquanto lanchavam, enquanto lhe demos banho. Ela ajudou, tirou fotos, esperou e foi assim, em movimento, que fomos pondo a escrita em dia. Apesar de já não estar com ela com calma há meses sem ser em comemorações onde não há muito tempo, parecia que os tempos em que nos víamos todos os dias tinham sido ontem. Claro que se eu pudesse tinha ido ao cinema com ela como fazíamos antes e ela também o teria preferido, estou certa. Mas a minha nova realidade não impediu uma boa tarde entre amigas.

 

As amizades não têm porque acabar depois dos filhos. Mas é preciso ter vontade que isso não aconteça. Não sou a melhor amiga do mundo, tantas vezes me esqueço de coisas importantes, são muitas as conversas que perco e outras tantas as coisas a que tenho que falhar, mas tento ter sempre algum tempo e entendo os amigos como prioridade, nunca como item prescindível. Tiro tempo para os meus amigos, cuido deles como melhor sei e como melhor posso. Não posso esperar que a vida deles mude para me acomodar, tento incluir-me quando posso, excluir-me quando não dá e pedir adaptações sempre que sinto que não é demais. De cedência em cedência a coisa compõe-se e não sinto problema que a distância - que veio bem antes das crianças - não tenha há muito trazido.

 

Os amigos a sério ficam. Os amigos a sério nunca vão.

 

Quando os gémeos nasceram foram quinze dias para os cuidados intensivos. No fim-de-semana a seguir a terem nascido eu já estava em casa. Uma das minhas melhores amigas queria passar para me dar um beijo quando eu estivesse em casa e eu confessei-lhe que não me apetecia ver ninguém. Estava preocupada com eles, mas sobretudo triste por não os ter comigo e tinha um circo hormonal dentro de mim, só me apetecia chorar. Ela disse que não importava e que ficava para outra altura. Saí para ir ver os gémeos à UCIN, deixei o Gonçalo com os meus pais e irmã e quando cheguei a casa tinha um ramo de flores em cima da minha cama com um bilhete. Ela tinha ligado à minha irmã, pedido para passar enquanto eu estivesse fora porque não me queria ver para não se impor. Deu um beijo ao Gonçalo, ofereceu-lhe um presente e deixou-me flores e umas palavras. Chorei quando (a) li,  feliz com a surpresa, a receber o abraço que me quis dar e arranjou maneira de entregar, mas sem estar surpreendida porque conheço bem aquela amiga, pessoa com quem conto a toda a hora. Isto é amizade, daquelas que não vai a lado nenhum. É este o trabalho que dá, que não é grande esforço quando se gosta, mas que é tudo quando se precisa.

30
Jul18

Marias Bitaites

Ana Sousa Amorim

Ora, já se sabe que quando nasce uma mãe nasce uma multidão de Marias Bitaites. Eu já encontrei estas subespécies:

A Ai-o-meu-não:«Ai o teu filho não come bem? Ai o meu não, logo a primeira vez que lhe dei comeu o prato todo tive que ir aquecer mais!»«O teu não dorme bem? Ai o meu não, desde que veio da maternidade que dorme 10 horas à noite, eu às vezes até tenho saudades dele!»«O teu filho está na fase das birras? Ai o meu não, nem sei o que são birras, ele é muito calminho, nunca chorou.»

Die, bitch.

A positiva:«Sabes, isto não são birras, são eles a comunicarem. E nós temos que ouvir, é só isso.»

Não toutóbir.

A saudosista:«Ainda vais ter saudades disto, a sério, o meu tem 3 meses e eu já estou cheia de saudades de quando ele nasceu.»

Eu percebo, eu tenho imensas saudades… de quando eles ainda não tinham nascido!

A sabe-tudo:«O bebé não gosta do banho? Isso é alergia à água. Tens que cristalizar a água que basicamente consiste em ferver a água, deixar evaporar TODA, depois voltar a ferver, abençoar, congelar e depois deixar entre 3 a 5 dias a descongelar e dar banho com essa água. Vais ver que passa.»

What.the.fuck?

A que tem uma prima que também lhe aconteceu isso, mas na volta não:«A minha prima teve uma bebé que também passou por isso. Mas foi menos tempo, ou mais, já não me lembro. E acho que ficou tudo bem. Ou não, espera, não, ela teve que ser operada, foi isso. A sério, foi isso, ela depois ainda teve que ser operada. Mas depois ficou tudo bem. Ou não, já não me lembro bem, mas acho que ela ainda hoje tem lesões.»

Aaaaah obrigada, pá. Obrigada.

A papa descontos-promoções-preços baixos:«Espera lá esta fralda que eu estou aqui a ver é da Dodot? Sabias que as de marca branca e são 0,2567 cêntimos mais baratas e são iguais? A sério, SÃO FEITAS NA MESMA FÁBRICA. Nunca mais compres disto, estás a perder 0,2567 cêntimos de cada vez e isso vezes 7 por dia são 7 vezes 0,2567 e no final do ano - acredita que eu já fiz as contas - é uma viagem ao Brasil, a sério.»

Espera, não apontei, são de onde? Viagem ao Brasil, mas não estávamos a falar de fraldas? Ai fónix, queres que eu vá ao Brasil com eles, tu és doida?

A que fala para o bebé e não para nós:«Ai tens que dizer à tua mãezinha que já não te deve pôr chuchita que isso é para bebés e tu és crescidote.»«Ai ainda de fraldita, quando é que pedes à mamã para te fazer o desfralde???»

Are you talking to me? É que o meu sensor de recados indirectos escafodeu por isso não percebi.

A que te quer criticar mas não consegue então elogia de forma reles:«Sabes, no fundo gostava de ser como tu, assim depreendida e relaxada, eu sou muito protectora parece que não consigo desligar-me deles nunca e que os amo mais que tudo, percebes?»

Olha eu cá não quero ser como tu, odeio cabras passivo-agressivas.

A que acha que isto é um jogo e faz sempre raise:«Ai estás aí a queixar-te, mas tu ainda tens imensa ajuda. Eu não tenho avós e empregadas e ainda faço tudo o que estás a fazer enquanto me balanço numa corda numa daquelas biclas só com uma roda.»

Eia, xau, eu não tinha percebido que isto era um concurso, se soubesse tinha treinado as lamúrias, vim sem estudar.

A que nem quer dizer nada mas depois diz tudo:«Pois, olha, eu na altura nem quis dizer nada, mas eu sempre achei isso. Sempre. Os pediatras hoje em dia ainda aconselham isso, mas cá para mim é maligno. Mas pronto, quem sou para dizer, é só o que aconselham os mais recentes estudos, mas eu não quero estar aqui a dizer que estás a fazer mal, eu é que como sei estas coisas não consigo ficar calada.»

Mas olha que calada eras uma poeta.

 

Eu, Maria Bitaites, me confesso. É por bem, às vezes quero tanto ajudar que acabo a mandar postas.Mas não vamos é exagerar, sim? Deixem as mães em paz!

26
Jul18

Dia dos avós

Ana Sousa Amorim

Dos meus

Quis o tempo que crescesse apenas com uma avó, a minha avó paterna, a minha avó Helena, a quem chamei sempre só avó porque a minha avó Rosalina morreu antes de eu nascer. Os meus avôs morreram quando eu era pequena. A minha avó era uma avó tão avó como só os avós sabem ser. Hoje consigo olhar para trás ver que era mãe (e sogra), mas para mim enquanto crescia era só avó, era só minha e da minha irmã (e, mais tarde, da minha prima). Duvido que os meus pais gostassem sempre de tudo o que nos fazia, mas eu adorava. Eu queria, a minha avó dava. Eu queria, a minha avó não desistia até me conseguir dar. Eu existia, ela era feliz. Tenho muitas saudades dela, todos os dias penso que adorava mostrar-lhe muitas coisas. Foi também o meu primeiro luto, e foi com ela que aprendi que nunca estaremos prontos para dizer adeus de quem gostamos e nunca o faremos de forma definitiva. Hoje, neste dia dos avós, e em tantos outros, penso nela e em como me formou e penso que gostava muito de lhe dar um beijo, agradecer-lhe e pedir-lhe um bollycao.E porque já muito falaram sobre isto e infinitamente melhor:

«No fim de semana, muito antes da hora do almoço, ela fritava batatas, punha num prato, e depois cobria com a tampa de uma panela. O vapor condensava-se no interior da tampa e depois a [h]umidade chovia sobre as batatas. Por isso, as batatas ficavam moles.

Na casa da minha avó, nunca comi batatas que não fossem moles. Quando hoje me põem no prato batatas estaladiças eu penso: essa pessoa sabe fritar batatas, mas ela não me ama. Não fez as batatas com aquela antecedência. Arriscou que as batatas não estivessem prontas quando eu quisesse almoçar.»

Ricardo Araújo Pereira, para a Folha de São Paulo, para ler aqui.

Dos dos meus filhos

Os avós dos meus filhos são os nossos pais. Isto, além de ser uma verdade de La Palice, é a base de tudo e não há como o esquecer. Os avós dos meus filhos fazem muito por eles, mas muitas vezes fazem muito para eles por nós. Muitos dizem-me que quando os netos nascem nós deixamos de existir para os pais. Por aqui só achará isso quem não sabe ver. Por detrás da euforia, do entrar sem nos cumprimentarem e correram para os ver, os nossos pais estão lá, preocupados connosco, com a nossa sanidade, com o nosso sono, com o nosso casamento, com os nossos trabalhos. Os nossos pais perdem noites com as nossas preocupações e é por nós que fazem muito. São muitas vezes bons avós por serem excelentes pais.Pelos netos, os avós fazem tudo. O amor dos avós não tem igual. Eu adoro ver os meus filhos terem aquilo que eu tive, avós como só os avós sabem ser. Os meus filhos têm uma sorte imensa de poder ter os avós que têm. Não conheço melhor. O nosso grande azar é termos perdido um elemento do quarteto. Dói-me mais do que consigo dizer que os meus filhos não venham a conhecer o Avó Raul, o meu sogro,  não oiçam as suas histórias por ele e não o ajudem a colar postais. A vida não é muitas vezes justa e o que queremos dela, mas é a que temos. E, apesar disso, o que temos é muito bom.Os avós são avós, são cuidadores, são apoio, são a nossa força e por isso não merecem só um dia, mas todos de agradecimento.Dia dos avós, quando se tem avós como estes, são todos os dias. Queridos filhos, que sorte!

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