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Três antes dos Trinta

23
Nov18

Detox virtual e a ladainha do apelo ao apego

Ana Sousa Amorim

Vi este post do blogue A Box e pensei «é mesmo isto». Fala de um anúncio espanhol e em como a ideia é irritante.  O anúncio é este:

[embed]https://www.youtube.com/watch?v=MiXwBNiFM58&feature=share[/embed]

Esta é uma daquelas típicas campanhas que apela ao sentimento e nos enche de culpa por passarmos tanto tempo online e menos tempo com aqueles de quem gostamos.

Eu não gosto muito destes argumentos e perco a paciência com os velhos do restelo que passam horas a refilar com as redes sociais e com o tempo que passamos agarrados a smartphones (tantas vezes o refilanço é feito numa rede social através de um smartphone).

Em Setembro estive uma semana de férias com a família e aproveitei para fazer um detox virtual, maioritariamente porque desde que sou freelancer estou constantemente em horário de expediente e sentia-me cansada dessa disponibilidade permanente. Sabia que não podia ter a ligação à internet no telemóvel ligada se não iria estar sempre a verificar o email, pelo que acabei por decidir desligar o telemóvel durante a semana toda. Avisei a família, alguns amigos e desconectei.

Não vou negar que no primeiro dia me apercebi que pego muito no telemóvel, foram várias as vezes que meti a mão ao bolso para o ir buscar e não o tinha. Tirei fotos na mesma com a máquina fotográfica, mas fazia-me falta ler as notícias e verificar as piadas do feed do Facebook e do Instagram. Ao segundo dia habituei-me e a semana passou-se sem problemas. Até cheguei a achar piada à sensação de desconexão do mundo e das notícias do país que antes tínhamos quando íamos viajar para fora.

Porém não me senti mais presente com a minha família, não me enchi de mantras e alinhei os chakras como todos os que descobrem a luz prometem. Não dormi melhor, os miúdos continuaram a privar-me de tal benesse, e não me senti mais conectada comigo mesma. Na verdade, tive saudades de me distrair online, de falar com as minhas amigas, de consultar as notícias e de estar actualizada. E relativamente a estar absorta, continuei a escapar-me com ausências parciais em tudo o que era momento morto: em vez de ser ao telemóvel, fi-lo com livros, lia enquanto abanava o carrinho para os bebés adormecerem, enquanto esperava pelo almoço, enquanto os miúdos brincavam, basicamente sempre que podia. Li como já não lia há meses e tinha muitas saudades de fazer. Esta foi aliás a única lição que retirei do detox: tenho de diminuir as horas de écrans para retomar a leitura diária que tanto me apraz (algo que ando a cumprir a meio gás, tenho lido mais, mas ainda não todos os dias).

Posto isto, irrita-me esta moda de dizer que estamos ausentes, que não nos entregamos, que estamos sempre ao telemóvel. Já estive em jantares em que há algumas pessoas estão ao telemóvel, a ligar a alguém, a actualizar as redes, etc. Mas foram minutos. A maioria das vezes o que se passa quando janto com as minhas amigas é estarmos sem ligar aos telemóveis horas.

Relativamente à ideia do anúncio: passo muito menos tempo de qualidade com o meu marido do que gostava (isto é, sem ser a partilhar tarefas domésticas), ando aliás na luta para evitar trabalho após a hora de jantar para podermos ter serões quando os miúdos deixam e esses serões incluem ver séries e filmes e não consigo deixar de achar que isso é estar com a pessoa, partilhar algo. Estou com a minha irmã quase todos os dias e falo com ela por WhatsApp durante o dia todo. Se não fossem os smartphones e as redes sociais perdia ainda mais da vida dos meus amigos, especialmente dos que vivem longe. Faço km para estar com aqueles que amo, e fazem-nos por mim também, mas a distância apazigua-se muitas vezes através de um chat.

O mundo virtual não é nenhum poço de defeitos, sendo que também não é um de virtudes. É apenas um espelho aumentado da vida lá fora. Ajuda-me, distrai-me e aproxima-me de muitos. Esta vida na rede tem inúmeros defeitos e perigos, mas é uma excelente arma para lutar contra a distância. E como arma, dá jeito não virar o cano contra nós.

Por isso: sim, temos de ver-nos mais, mas sem culpas, sem dramas. Quando der e não porque tem de ser.  E temos de fazer o que gostarmos juntos e se isso for ver o feed do instagram ou vídeos no youtube, porque não? Temos é de deixar de dizer aos outros o que fazer e como se devem sentir.

Sobre o meu detox virtual, foi fundamental nas férias para serem férias de trabalho. E foi por isso que gostei dele. De resto, não achei nada de iluminador. Senti-me a mesma, a presente e a ausente, quando tem de ser e quando preciso.

22
Out18

Os pais dos outros

Ana Sousa Amorim

Antes de ser mãe via o mundo a preto e branco. Birras no shopping? Má educação. Comer a ver vídeos no tablet? Inadmissível. Pais a ceder? Maus pais.

Depois fui mãe e apercebi-me que isto é lixado. A vida não é ideal. Idealmente eu tinha todo o tempo do mundo para estar com os meus filhos. E tinha também disponibilidade. Tempo e disponibilidade não são a mesma coisa. Às vezes tenho tempo, mas não tenho disponibilidade. Estou cansada do trabalho, das outras obrigações e estou carente de tempo para mim ou de descansar, de me distrair, de passear, de ler ou de ver séries. Não é por ter sido mãe que todas essas minhas necessidades deixaram de existir. Simplesmente deixaram de ser prioridade. É muito bonito dizer que temos de continuar a tratar de nós, arranjarmo-nos, sair, ir ao cinema, mas também é preciso que haja tempo, dinheiro e quem fique com as crianças e às vezes não há nada disso. Por isso há que ter prioridades e eles são a prioridade. Portanto, como dizia, quando tenho tempo, às vezes não tenho disponibilidade. E isso significa que faço tudo a correr. E significa que prefiro que vejam televisão para poder cozinhar mais rapidamente. E significa que se fizerem uma birra por um brinquedo eu dou para se calarem. E significa que o banho é rápido. E significa que o jantar tem de entrar. Não é sempre, mas às vezes. Muitas vezes, mais do que as que gostava, ou melhor, mais do que as que imaginava que ia gostar.

Os miúdos têm uma brutal inteligência emocional. Conhecem muito bem os seus cuidadores e dependem da atenção deles. Sabem como a conseguir, a bem ou a mal. E por isso, quando estou cansada, farta, ocupada, com trabalho por fazer e a coisa entra em modo automático, eles percebem e utilizam isso. Como? Com birras. E sim, eu, muitas vezes, cedo. Porquê? Porque não sou um robot, preciso de descanso, preciso que as coisas aconteçam e prezo silêncio. Claro que contrario os meus filhos — é impossível conviver com eles sem os contrariar — mas não acho que a base da educação seja essa.

Muitos dizem que os miúdos estão mal-educados, não têm pais que lhes dêem limites, não conhecem o não, não sabem como lidar com a frustração, etc. E eu concordo. Mas estou cansada desta sobranceria com que determinados pais falam de situações que vêem na rua e extrapolam para a regra. E estou cansada da falta de empatia entre pais. As pessoas que não têm filhos têm a distância típica da falta de conhecimento, que eu percebo porque também já fui assim. Mas a crítica constante dos pares deixa-me irritada.

Ao contrário dos maridos das outras, que são sempre o pináculo da criação, os pais dos outros são sempre uma merda. São permissivos, deixam fazer tudo, não têm tempo para os filhos, são autoritários, são desligados, são desleixados, são frios e são sempre, sempre a causa do mau comportamento  dos filhos.

A verdade é que estou constantemente a levar com quilos de informação que me quer obrigar a concluir pelo meu falhanço: todos os dias alguém partilha uma notícia que diz que um pediatra disse que os miúdos de hoje não serão os génios de amanhã porque são expostos a muita televisão e tablets, ou que não são capazes de lidar com a frustração porque têm muitos brinquedos, ou que não sabem brincar com outras crianças porque brincam com os pais ou que não gostam de exercício porque jogam muito computador, e por aí em diante. Esta obsessão com o questionar o que estamos a fazer com os miúdos esgota-me. Eu ando aqui a safar, não tenho grande tempo para me encostar a pensar nas consequências de determinadas coisas. Não sou maluca, tenho consciência que tipo de comportamentos favorecem o desenvolvimento da personalidade deles, mas sou humana e recorro a tudo o que posso para sobreviver. E às vezes ver televisão pode não ser o mais indicado, mas é o mais correcto porque é o que traz paz ao nosso lar e propicia a um ambiente calmo e saudável. E ceder a birras, que é globalmente considerado péssimo e olhado com desprezo, às vezes é importante para mim para poder fazer coisas incríveis como chichi.

Há dias fui passear com o Gonçalo e tudo correu bem até ele se passar porque eu não o deixei ir ao parque do centro comercial ao lado do qual passámos porque precisava de ir às compras. Ele fez uma birra indiscritível, não se calou por nada, eu fiquei nervosa, comecei logo a suar do buço, pus-lhe a chucha e ele jogou-a para o chão e tive de me afastar com ele a chorar. Ouvi um sibilante «que miúdo mal-educado» e também vi olhares de reprovação quando ele atirou a chucha ao chão de pessoas que estavam com miúdos no dito parque. A sorte vos impeça de ter filhos que façam isso, eu cá nunca me imaginei com um pequeno Hulk a arremessar tudo quanto lhe dou quando está com os azeites, e não, não é o que ele vê em casa que eu quando estou lixada digo asneiras, não atiro merdas pelo ar, por isso, por favor, sejam mais empáticos. Dias depois fomos lanchar e tudo correu bem até a comida chegar. Aí ele lembrou-se de que queria correr e chorou quando o impedi. Acabei com o choro dando-lhe o meu telemóvel para ele ver vídeos e fui novamente fulminada com o olhar por pessoas nas outras mesas. Não disseram nada, mas eu percebi que ter cedido à birra e ter-lhe dado o telemóvel foi o meu crime do dia. Eu só queria lanchar, tinha fome, mas pronto, basicamente fui pendurada numa cruz por estranhos por ter cedido a uma birra. Se o tivesse deixado chorar teria recebido tratamento igual.

Eu tenho três filhos e nos últimos meses na impossibilidade de me dedicar a buscas de perfeição e ter de ser apenas o Macgyver da maternidade, descobri-me relaxada, certa do que faço e não são os olhares de desconhecidos que me deitam abaixo, mas na impossibilidade de mandar as pessoas à merda na hora — a minha auto-terapia de agressividade impede-me — deixo aqui o meu manifesto. Os pais dos outros não são uma merda. Andamos todos ao mesmo e cuidado… ainda podes pagar pela língua. I know I did.

04
Out18

No is no

Ana Sousa Amorim

Aqui há uns anos, quando o Obama foi eleito Presidente dos Estados Unidos li uns artigos sobre racismo na América e lembro-me de pensar «não, nós não somos assim racistas». Em conversa com alguém muito tempo depois apercebi-me da dura realidade: somos igualmente racistas, simplesmente nos EUA fala-se disso, aqui não. Quando o Trump foi eleito apesar de existirem gravações dele a dizer que apalpava as mulheres pela rata (entre outros episódios), eu pensei «nós, não somos assim misóginos, machistas». Estão a ver onde é que vai dar, não estão? Nós últimos dias, a propósito da questão da acusação de violação do Ronaldo, ver a propagação de comentários «é, achava que ia beber chá para o quarto», «ó Ronaldo, usavas vaselina para não fazer dói-dói», «acabou-se o dinheiro e agora quer mais», muitas vezes de mulheres e muitas vezes acompanhados de demonstrações claras de nem terem procurado saber os contornos do caso, é desanimador e faz-me concluir que sim, somos. Aquando de decisões como as do acórdão da «sedução mútua» nunca falta quem os censure munido de argumentos como «eu tenho uma filha e não é este mundo que quero para ela» como se fosse preciso ser-se mulher, ter filha, mãe ou namorada para se ser feminista e como se o futuro que deixamos aos filhos fosse o único móbil para defender um mundo melhor para hoje. Hoje uso eu esse argumento: é isto que querem ensinar às nossas filhas? Se subires ao quarto, é porque tens de dormir com ele, quer queiras quer não! Se usares decotes, já sabes que os homens se podem usar do teu corpo. Se gostares de sexo, tens de gostar de tudo. Se disseres que sim, não podes mudar de ideias, não vale de nada dizer não. É assim? E é isto que queremos ensinar aos nossos filhos? Se ela aceitar ir contigo para o quarto, podes servir-te do corpo dela como quiseres. Se ela aceitar ir jantar, já sabes que está no papo e podes ser violento para o concretizar. Se ela disser sim a um beijo, considera-a disponível para tudo. Se ela estiver de decote, é porque quer que a comas. É assim?Não sou daquelas pessoas que defende que o mundo está cada vez pior. Continuo a defender que o mundo em que os meus filhos nasceram é incomensuravelmente melhor do que aquele em que eu nasci: o desenvolvimento, o progresso da tecnologia ao serviço da nossa saúde, locomoção, felicidade, a quebra de barreiras importantes, a conquista de liberdades e a defesa dos direitos civis nos países desenvolvidos melhoraram o mundo nestes últimos 30 anos. No entanto, ao ver estas reacções lembro-me que ainda falta muito.

15
Mai18

Prioridades

Ana Sousa Amorim

Acho que mudei um pouco aquilo que achava sobre prioridades. Antes de engravidar achava que o mundo era um pouco mais sensível do que é — talvez porque eu e aqueles que me são próximos são — e era da opinião que o tema prioridades era uma questão de bom senso. Depois de engravidar apercebi-me que o bom senso que eu imaginava que existia, escasseia. Durante muito tempo não pedi para ter prioridade, não me sentia bem e na verdade, não necessitei. Da gravidez do Gonçalo devo ter utilizado a prioridade enquanto grávida umas duas vezes na farmácia e mesmo no final da gestação. Depois de o Gonçalo nascer também usei a prioridade umas quantas vezes quando tive que estar na fila com ele na segurança social, nos correios, etc… Ainda tive algumas chatices, funcionários antipáticos e sem vontade de reconhecer a prioridade e pessoas que não gostavam que eu tivesse prioridade que me chegaram a dizer «eu também tenho um filho, está na escola e tenho que o ir buscar!». Não discuti, não me irritei e confesso que até senti vergonha de pedir. Não sei bem porquê, de facto uma grávida não deve esperar o mesmo que os outros, por melhor que seja a gravidez, não é confortável. E um bebé até dois anos é impossível de aturar numa fila, eu não levo os meus porque dá jeito, levo-os porque tem mesmo que ser, por isso também percebo que se facilite a vida às pessoas. Já sei que há quem se tente aproveitar, mas duvido que alguém deixe de levar os miúdos para a escola para ir para a fila da loja do cidadão. É cortesia. Ou devia ser. Na verdade teve que passar a ser lei para se efectivar.

Na gravidez dos gémeos a coisa ficou diferente. Desde cedo que fiquei com uma grande barriga, desde cedo que me custava estar em pé e no último mês custava-me tudo. Nessa altura pensei: a prioridade existe, é um direito que me assiste, não vou tentar explicá-lo ou justificá-lo a quem não quer compreender. Vou usar do meu direito com educação.

 

Finanças. 15h30 da tarde. Eu grávida de gémeos de 32 semanas. Retiro a senha B32 e verifico que vai na B28. Não existem senhas prioritárias. Um cartaz informa que aqueles que têm direito à senha prioritária devem retirar a sua senha normalmente e dirigir-se ao balcão que está a atender essas senhas e solicitar o atendimento com prioridade. Foi o que fiz. A funcionária, com poucos modos, disse-me para aguardar na zona de espera (zona onde não existiam lugares sentados livres e onde ninguém se levantou para me dar o lugar, por sinal) que já me chamava.

Passado pouco tempo anunciou para a zona de espera:

«A senhora que solicitou prioridade, quem é?»

Eu identifiquei-me e avancei. Nisto, uma senhora passou-me à frente, indicou que também tinha prioridade e não sabia que era necessário pedir. A funcionária barafustou algo, eu disse que se existia alguém com prioridade à minha frente, claro que essa pessoa devia ser atendida, e cedi a passagem, indo-me sentar no lugar da senhora que se levantara. A senhora dirigiu-se ao balcão, mostrou um atestado e a funcionária, de forma muito mal-educada e bastante alto, informou-a «que isto não é assim», «atestado multiusos muitos têm», «isso não dá direito a prioridade».

E aos berros, perguntou-me:

«E a senhora, tem prioridade porquê?».

Incrédula, ri-me.

«Olhe, agradeço que pergunte, mas acho que se vê bem: estou grávida…».

«Ai e gravidez é prioridade? Não pode esperar sentada?»

Não sei como é que mantive calma. Senti-me meio humilhada. A funcionária tentou diminuir-me à frente de todos para não me dar prioridade, como que a dizer-me que eu não podia esperar porque era parva.

«Não, não posso». Aproximei-me dela, para não lhe gritar, com o respeito que não teve para comigo, e expliquei que tinha a certeza que tinha direito a ter prioridade por estar grávida e que não era eu que achava, era a lei. Das duas uma: ou me concedia prioridade, ou teria que escrever no livro de reclamações. Não vacilei. Embora tivesse ficado nervosa, fiquei irritada pela maneira como me tratou e deixei claro que sabia que tinha prioridade e não ia desistir.

A funcionária chamou a Directora de Serviço, que, antes de tudo, lhe pediu para ela falar baixo, demonstrado desde logo ter mais educação. Depois explicou-me o que eu tinha que fazer para ter direito a ter prioridade, como se EU estivesse a errar. Eu expliquei-lhe que foi assim que procedi, a funcionária é que entendia que eu não tinha direito a ter prioridade. Então a Directora indicou-lhe que eu estava «notoriamente grávida» e que tinha que ser atendida.

Dirigi-me para a cadeira do balcão da grandessíssima vaca que me atendeu munida da minha viola invisível para ela pôr no saco e não tirei um sorrisinho sarcástico da cara o tempo todo.

 

Mas depois de sair pus-me a pensar e achei toda a cena tão escusada. Tão triste. Não nego que o facto de ter aparecido uma senhora que, de facto, não tinha direito a prioridade possa ter baralhado a funcionária, mas a senhora não foi mal-educada, só tinha que ser informada. A funcionária é que foi mal-educada com a senhora e comigo, tentando ridicularizar o exercício de um direito que me assiste. Talvez se eu não conhecesse a lei tão bem, e se não tivesse algum à vontade com leis porque as estudei, me deixasse intimidar e me sujeitasse a esperar numa sala de espera que se tinha tornado hostil. Ninguém gosta de esperar. Nem todos têm o bom senso de perceber que algumas pessoas têm direito a ser atendidas antes e ficam rancorosas. Se a hostilização surgir das pessoas que trabalham nos sítios pior é!

 

Já me cederam a vez várias vezes e quando posso esperar, quando os bebés estão a dormir ou quando estava grávida e não estava especialmente cansada, explicava que podia esperar e deixava-me estar na fila. Também me aconteceu pedir para ser atendida antes e a senhora que estava à minha frente dizer-me «desculpe, eu sei que tem prioridade, mas eu só quero uma coisa rápida e tenho o carro mal estacionado, importa-se?» e eu disse que não, esperei mais 1 minuto se tanto e a senhora foi atendida e saiu a voar. Com educação, toda a gente se entende. Eu pelo menos tento que assim seja. Mesmo quando tiro senha prioritária e passo à frente sem ter que pedir, tento ser rápida e agradeço às pessoas que me cedem a passagem. As Finanças não são um sítio onde se espere pouco tempo, eu estava exausta, tinha andando a tratar do Gonçalo de manhã e começava a sentir algumas contracções naquela altura e tinha pedido boleia à minha mãe porque já não me sentia confortável a conduzir, por isso não queria esperar, e tinha que ser eu a tratar daquele assunto. Podia esperar? Claro que podia. Não há dúvidas sobre isso. Podia esperar, não estava em trabalho de parto, nem tinha instruções para estar de repouso absoluto. Eles acabaram por nascer prematuros e só eu sei como me culpo por não ter abrandado mais um pouco no final, mas sim, naquele dia podia ter esperado. É delicado? É cortês? É digno de uma sociedade civilizada? Não acho.

 

Dias depois da cena das Finanças fui à Primark comprar coisas para a mala de maternidade. A fila estava a andar bastante rápido e tinha pouco mais que três pessoas porque fui a uma hora mais calma. Meti-me na fila normal e nem esperei. A funcionária atendeu-me e enquanto passava as coisas na caixa registadora disse-me «A senhora tem prioridade, não tem que esperar na fila. Para a próxima dirija-se à caixa n.º 1 que é imediatamente atendida».

 

Lembrei-me logo da outra cena. Folgo em saber que uma entidade privada trata a lei e os cidadãos com mais respeito que um organismo público.

 

Tenho este texto escrito há imenso tempo e vim agora editá-lo e publicá-lo porque tenho visto imensas pessoas com dúvidas sobre a lei em grupos de mães e lembrei-me.

Aproveito para deixar estas notas sobre a lei sobre o atendimento prioritário (Decreto-Lei n.º 58/2016, de 29 de Agosto):

  • Todas as entidades públicas e privadas devem prestar atendimento prioritário a determinadas pessoas.
  • Essas pessoas são:
    • Pessoas com deficiência ou incapacidade;
    • Pessoas idosas (com idade igual ou superior a 65 anos e que apresente evidente alteração ou limitação das funções físicas ou mentais);
    • Grávidas; e
    • Pessoas acompanhadas de crianças de colo (aquela que se faça acompanhar de criança até aos dois anos de idade).
A pessoa com direito a atendimento prioritário que o veja negado deve chamar a polícia.

Sobre a prioridade a crianças de colo, notem que a lei não diz crianças «ao colo», diz «de colo». É um conceito que se preenche com a idade da criança e não com a forma como a trazemos. Não há necessidade de pegar na criança só porque se fala em colo, por favor! Se disserem isso, estão errados. E não tem que ser a mãe.

Se quiserem saber mais procurem aqui e aqui.

Conheçam os vossos direitos, e vamos todos tentar que a lei seja cada vez menos necessária e tudo funcione com naturalidade. Para isso é preciso não esquecer que a lei concede um direito geral, indiscriminado, porque não há como adaptar a situações em específico. A ideia é proteger aqueles que precisam de protecção. Como sempre é susceptível de abusos. Nunca vi, mas oiço falar de pessoas que vão com os filhos só para passarem à frente, que são mal educadas e agem como se fosse tudo delas. É verdade que a lei concede o direito de atendimento prioritário, mas não é menos verdade que as pessoas à frente de quem se passa também têm direito a ser atendidas e estão a ceder a passagem porque se encontram em melhores condições de esperar. Isto significa duas coisas: que não as devemos maltratar para exercer o nosso direito e que o devemos exercer sempre que sintamos que efectivamente não estamos nas mesmas condições para esperar.

Be kind and amazing things will happen.
 

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