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Três antes dos Trinta

28
Fev18

Fevereiro

Ana Sousa Amorim

Às vezes gostava de falar com a Ana que não tinha tempo para fazer as cadeiras todas na época normal e deixava duas para recurso e dar-lhe um estalo para ver se ela abria a pestana.Este mês fui ao pediatra com os três no mesmo dia, fui às vacinas dos gémeos, mudei de casa, aceitei um projecto rápido mas que ainda assim deu trabalho, tive uma formação em Lisboa, tudo isto enquanto prestei funções naquele full-time básico de limpar três rabos.Hoje, para a despedida do mês, fui ao carro buscar as compras que não pude trazer para cima antes porque vinha com o Gonçalo, quando reparei que o detergente se havia aberto no saco e tinha tudo o que era queijo e fruta com Fary porque ah e tal o ambiente, não há sacos de plástico para a malta dividir as coisas do estilo limpeza da casa/comida e mete-se tudo numa promiscuidade pouco dada a vazamentos de detergente. Quando subia, fiquei presa no elevador. Sem telemóvel. Ainda procurei as câmaras, mas, embora às vezes pareça, a minha vida não é uma sitcom.

14
Fev18

Valentine's (every)day

Ana Sousa Amorim

Às vezes o my valentine irrita-me. Ui, se irrita. Por exemplo, a arrumação do pijama, essa quezília com anos: todos os dias ele tira o pijama e enrola-o em vez de o dobrar. Na verdade, não é bem enrolar... Ele aplica-lhe uma centrifugação filha da mãe digna de um furacão. E coloca-o debaixo da almofada. Eu não vou por trás e dobro bem, deixo estar, nem falo disso, limito-me à ocasional laracha passivo-agressiva "achas que é assim que se dobra a porra do pijama", mas fico com um tique nervoso na pálpebra direita só de saber que ao lado do meu pijama dobrado está uma bola de roupa.

"Ai, estás tão casada, que tédio. Queixar-te no dia dos namorados..."

Calma, senhores, a parte boa, a parte this is us da coisa, é que o conflito pijama irrita-me tanto quanto me faz feliz. Adoro que ele seja ele e dobre a roupa a correr. Adoro que quando mando a minha boca, ele responda sempre com uma piada estilo "Desculpa lá, sra. da zara, não tenho um doutoramento em arrumar roupa". Sei lá, adoro as tretinhas da nossa vida. Adoro as bocas da roupa, adoro tentar passar as piores fraldas para ele, adoro quando ele me irrita e depois me faz rir. Adoro a normalidade da coisa, sem desassossegos. Adoro as surpresas, que adoro, mas quero ficar todos os dias pelas rotinas. Não percebo aqueles que têm medo da rotina, que exigem das relações as constantes subidas e descidas dos amores iniciais. Eu quero o dia-a-dia, quero mandar vir com a roupa, planear a próxima viagem, refilar que é ele que tem ir pôr uma chucha e chamá-lo para vir ver como o nosso filho é lindo a dormir, tudo isto no espaço de meia hora.

Meu amor, hoje... é um dia como os outros. Mesmo. Não fiques muito entusiasmado com a declaração de amor, vê se não chegas tarde que temos que dar banho aos gémeos. Vá, por ser dia dos namorados eu não vou mandar vir quando puseres o jogo a dar no telemóvel enquanto damos biberões.

06
Fev18

Depois do fim

Ana Sousa Amorim

Faço listas por tudo. Faço listas para tudo. Mas isto não dá para pôr numa lista, entendes? Não consigo escrever na lista "mentalizar-me que aconteceu" logo ali por baixo de «responder aos e-mails». Às vezes ainda o oiço. Quando a minha avó morreu demorei dois anos a apagar o número dela do telefone. Não sei porquê, mas deixei o numero dela ali, "Vó". Olhava para ele quando precisava, sem precisar, pois sempre o soube de cor.

Não posso pôr na agenda, não dá para estudar isto. Os dias nascem, a vida continua. Nós até ousamos ser felizes. Sorrimos. Gozamos a vida. Às vezes fazemos de conta que estamos a lidar bem com tudo, falamos dele, agimos em conformidade. Mas há coisas que não entram na rotina. Os clichés encaixam: as saudades matam, penso em si todos os dias, quem me dera que visse isto.

 

 

«Depois do fim

Os meus mortos visitam-me regularmente.

Demorei a dar por eles. Não tenho religião que me valhe ou guie, e acreditava que os mortos morrem no momento em que morrem, espera-os uma nuvem, uma labareda, ou só a terra onde se deitam a dormir para nunca mais.

Demorei a exigir que não podia ser só isto. Sou ao contrário: era mais conformado em jovem.

(…)

O corpo? O corpo chega aos outros sempre antes de nós, é portanto natural que parta antes de nós.

Por isso o meu velho está aqui comigo. Enquanto escrevo, verifica a sua colecção de selos, pega num, com a pinça, espreita com a lupa pequena, cataloga, está tranquilo. Claro que não posso dizer que o vejo claramente. Está numa penumbra e todo ele é linhas difusas.

Eles têm a idade que quiserem.

Nunca digo a ninguém que estão aqui comigo. Mas estão. Acredito. Eu, homem, sem nenhuma outra fé, acredito.

Devo-lhes isso.»

O Pianista de Hotel, Rodrigo Guedes de Carvalho

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